Grandes Clássicos: Gabriela (1975)

Adaptação do grande êxito “Gabriela, Cravo e Canela“, romance de Jorge Amado, a novela Gabriela completa hoje (14/04), 49 anos de sua primeira exibição pela TV Globo. Produzida e exibida às 22h, de 14 de abril a 24 de outubro de 1975, em 132 capítulos, essa obra de sucesso contribuiu para o estrelato de grandes revelações da época, como Sônia Braga e Elizabeth Savala, além de valorizar, ampliar e explicar o livro criado por Jorge Amado, principalmente no aspecto político – onde se deteve maior parte de sua elaboração. Além disso, o elenco escolhido de forma minuciosa para festejar os 10 de existência da emissora, com adaptação de Walter George Durst e a direção de Walter Avancini, é lembrada com bastante carinho pelo público noveleiro, tanto que já foi reapresentada por diversas ocasiões, e sempre com boa audiência e repercussão. Por isso, vale relembrar a história, bastidores e curiosidades desta trama de enorme apelo popular que conquistou público e crítica e que se encontra no hall dos grandes folhetins brasileiros.

Sônia Braga, no auge da beleza, interpretou Gabriela, personagem central do romance de Jorge Amado que completa 49 anos em 2024. (Foto: Reprodução/Acervo TV Globo)

Enredo

Em 1925, uma grande estiagem no Nordeste impôs populações que passam fome a deixarem o campo em direção ao sul. A cidade de Ilhéus, na Bahia, iniciava a sua transformação devido às frutíferas lavouras de cacau, que atuavam no aumento das fortunas dos fazendeiros proprietários de terras. Entre os retirantes, está a jovem Gabriela (Sônia Braga), órfã desde garota, que chega à cidade ao lado de um tio e dois homens que trabalharão nas fazendas de cacau.

Simplória e criada em um local a qual as situações determinam os valores morais, Gabriela acolhe tudo com a naturalidade que lhe é peculiar e acredita que a vida das pessoas na cidade seja difícil. Desejada pelos homens por sua beleza brejeira e sensualidade inocente, Gabriela acha um refúgio quando vai trabalhar como cozinheira na casa do turco Nacib (Armando Bógus), dono do Bar Vesúvio, com quem começa uma trama de amor repleta de idas e vindas.

Em Ilhéus, os senhores do cacau pensam em juntar as forças religiosas da população para solicitar aos céus que lavem as plantações penalizadas pela seca. O lugarejo ferve com a preparação da procissão anual de São Jorge dos Ilhéus, que unirá o que havia de mais representativo na igreja: os protegidos de São Sebastião (os ricos), os de São Jorge (os pobres) e os de Santa Madalena (os boêmios e as prostitutas).

A concepção é do idoso Coronel Ramiro Bastos (Paulo Gracindo), líder político que rege as normas na região. Mas ele sente que os tempos mudaram e sabe que a delicada junção conquistada na procissão não será suficiente para garantir seu poder e o dos coronéis do cacau, seus comparsas. O coronel ancião entra em confronto com o recém-chegado Mundinho Falcão (José Wilker), um jovem exportador que vem a Ilhéus cheio de ideias modernas e renovadoras.

Mundinho alia-se à oposição política, até então vítima de eleições duvidosas para manter os coronéis no poder. Num primeiro momento, a renovação política parece inconsistente para tirar a direção de Ramiro Bastos. A razão do conflito entre os dois é a criação de um novo porto, sugestão de Mundinho, onde o coronel se opõe arduamente. O embate entre eles fica ainda maior devido ao romance que começa entre o jovem e bela Jerusa (Nívea Maria), neta de Ramiro.

Produção

A TV Globo caprichou no lançamento da novela, onde festejava seus dez anos de criação e cinco do primeiro lugar nacional.

A preparação da novela teve o aspecto hollywoodiano das super produções. O elenco foi escolhido a dedo. Criou-se até um clima para saber quem seria a Gabriela – ao estilo de David O. Selznick à procura de sua Scarlett O’Hara de …E o Vento Levou (filme de 1939). (“Memória da Telenovela Brasileira”, Ismael Fernandes)

Mundinho Falcão (José Wilker) e Jerusa (Nívea Maria) em Gabriela. Exibida em 1975, novela foi um grande marco da história da TV brasileira com um grande elenco e qualidade em sua produção. (Foto: Reprodução/Acervo TV Globo)

Sobre a escalação de Sônia Braga, Daniel Filho narrou em seu livro “O Circo Eletrônico”:
“Quem faria o papel-título de Gabriela”? Pensei em algo inusitado, afinal tínhamos uma Gabriela no imaginário do público brasileiro: Gal Costa. Ela não aceitou. ‘Sei representar não’, disse com aquela malícia baiana e olhar de Gal-Gabriela. Boni pediu testes. Testamos incontáveis mulheres por dia, modelos e mulatas exportação, o diabo a quatro. Mas eu tinha esse trunfo na manga que era esse “Caso Especial” com a Sônia. (…) Mas Boni não concordava com aquela escolha: via a Sônia de Selva de Pedra” e “Fogo Sobre Terra”. E eu obcecado: Sônia ia ser Gabriela. Mostrei ao Avancini, que comprou a ideia, mas com reservas. (…) Acho que ninguém no mundo poderia sugerir outra Gabriela, senão aquela inesquecível que subiu no telhado com a garotada lá embaixo.”

José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, em seu “Livro do Boni” sobre Sônia Braga: “Muita gente a achava clara demais, mas o Jorge Amado, por telefone, me disse que Gabriela chegou em Ilhéus como retirante do Nordeste e que, na cabeça dele, era uma mestiça. Perguntei ao Jorge se ele receberia a Sônia Braga e ela foi até Salvador com o Edwaldo Pacote [produtor]. De lá, me telefonaram e colocaram o Jorge Amado na linha: ‘A Sônia está aprovada. Aprovadíssima!’

Bastidores e curiosidades

Gabriela propiciou momentos artísticos relevantes. Com a qualidade da produção e a repercussão conquistada, a novela foi um grande marco da história da televisão no Brasil.

A adaptação de Walter George Durst e a direção de Walter Avancini valorizaram, ampliaram e explicaram a obra de Jorge Amado (o romance “Gabriela Cravo e Canela”, lançado em 1958), principalmente no aspecto político – em que se deteve maior parte de sua criação. (Site Teledramaturgia)

Vários foram os bons desempenhos no elenco. Sônia Braga foi calcada à categoria de estrela da TV. Dina Sfat realizou uma participação memorável como a prostituta Zarolha. Fúlvio Stefanini, como Tonico Bastos, e Paulo Gracindo, envelhecido para interpretar o Coronel Ramiro Bastos, também foram destaques. José Wilker fez com esmero Mundinho Falcão e Armando Bógus realizou um dos principais personagens de seu carreira, Nacib. A novela ainda teve como revelação a talentosa atriz Elizabeth Savala, em seu começo na TV.

Tonico Bastos (Fúlvio Stefanini) e Aurora (Natália do Vale) em cena do folhetim das dez. Vários foram os bons desempenhos da novela, que venceu inúmeros prêmios no ano. (Foto: Reprodução/Acervo TV Globo)

O capítulo do dia 12/05/1975 mostrou os atores Pedro Paulo Rangel e Cidinha Milan nus. Ele era Juca Viana e ela, Chiquinha, uma das “raparigas” do Coronel Coriolano (Rafael de Carvalho). Flagrados na cama, Chiquinha e Juca foram atirados na rua sem roupas, debaixo de chuva, escorraçados pelos jagunços e humilhados pelo povo. Para passar pela censura do Regime Militar, o diretor Avancini gravou as tomadas à distância, como pedia o roteiro de Durst no capítulo 21: “O casal, de fato, aparentemente nu, mas não se vendo nada por causa da distância do plano.” (“Almanaque da TV”, Bia Braune e Rixa)

Jardel Filho foi o nome inicialmente imaginado para interpretar o turco Nacib, personagem eternizado por Armando Bógus.

Gabriela, em sua versão clássica, foi a primeira novela das atrizes Elizabeth Savala, Natália do Valle e Cidinha Milan, e do ator Tonico Pereira. Também foi a primeira novela completa da atriz Thelma Reston.

Prêmios

A novela foi uma das grandes vencedoras da APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) em 1975. A novela venceu o Grande Prêmio da Crítica de 1975 e Elizabeth Savala e Jaime Barcelos foram agraciados como as revelações do ano. Gabriela também foi a vencedora do Troféu Imprensa de melhor novela de 1975. Já Paulo Gracindo levou duas estatuetas: melhor ator e “destaque masculino” na televisão. Elizabeth Savala foi o “destaque feminino”.

Abertura

O artista plástico Aldemir Martins, que já desenhava os livros de Jorge Amado, foi o responsável pela abertura da novela, que mostrava suas belas aquarelas com imagens expondo o sertão e o litoral baianos, com cores graves em pinceladas firmes, quase abstratas. Martins realizou ainda a abertura de outra adaptação de Jorge Amado para a TV: a novela Terras do Sem Fim, entre 1981 e 1982.

Mundinho Falcão (José Wilker) e Malvina Tavares (Elizabeth Savala) em cena de Gabriela. Trilha sonora da novela foi um grande sucesso, sendo relançada anos depois pela Som Livre. (Foto: Reprodução/Acervo TV Globo)

Trilha Sonora

Produzida por Guto Graça Mello, a trilha de Gabriela possuía doze canções inéditas entre as quais estavam: “Alegre Menina”, composta por Dori Caymmi, a partir de um poema de Jorge Amado, e interpretada pelo então iniciante Djavan, “Coração Ateu“, de Maria Bethânia, “Guitarra Baiana“, de Moraes Moreira, “Caravana“, de Geraldo Azevedo”, e “Filho da Bahia”, canção que alavancou Fafá de Belém para o sucesso. O tema de abertura, “Modinha para Gabriela”, foi composto especialmente por Dorival Caymmi e interpretado por Gal Costa, pela primeira vez em uma trilha de novela.

A trilha sonora encomendada primordialmente para a trama foi comercializada com capa dupla, o selo Série Super Luxo e uma foto de Sônia Braga na capa e contracapa. Ainda, tinha ficha técnica do disco, nome das músicas e seus intérpretes no miolo, ilustrado com aquarelas de Aldemir Martins (da abertura da novela).

Em 1979, por conta do sucesso da reprise da novela, a Som Livre relançou nas lojas o disco com a trilha sonora (em capa comum, em vez da capa dupla da primeira exibição). Em 2001, a trilha voltou ao mercado, desta vez em CD. A Som Livre lançou o CD de Gabriela na coleção “Campeões de Audiência”, 20 trilhas nacionais de novelas campeãs de vendagem nunca antes lançadas em CD (títulos até 1988, pois no ano posterior foram comercializados os primeiros CDs de novelas).

Adaptações

O romance de Jorge Amado já obteve uma versão para a telinha. A novela produzida pela TV Tupi carioca, em 1961, e exibida duas vezes por semana, foi adaptada por Antônio Bulhões de Carvalho e dirigida por Maurício Shermann, com Janete Vollu como Gabriela, Renato Consorte como Nacib, e Paulo Autran como Mundinho Falcão. No entanto, não há mais imagens dessa versão do folhetim.

Em 1983, o enredo foi filmado pelo diretor Bruno Barreto com o também protagonismo de Sônia Braga, já iniciando sua carreira internacional. Além dela, a fim de chamar a atenção do público estrangeiro, foram convidados para o longa-metragem a estrela italiana Marcello Mastroianni, para fazer o papel de Nacib, e Tom Jobim, para ficar responsável pela trilha sonora da produção.

Remakes

Em 2012, a Globo apresentou uma nova adaptação de “Gabriela Cravo e Canela”, escrita por Walcyr Carrasco, com Juliana Paes como Gabriela e Humberto Martins como Nacib. José Wilker e Ary Fontoura, que fizeram parte do elenco da versão de 1975, também participaram deste remake.

Sônia Braga (foto acima) como Gabriela da Silva, personagem célebre da obra de Jorge Amado. Além da trama exibida na década de 1970, o clássico ganhou outras adaptações além de um remake, 37 anos depois. (Foto: Reprodução/Acervo TV Globo)

Reprises

A novela foi reprisada em um compacto de 90 capítulos em duas oportunidades: de 29 de janeiro a 04 de maio de 1979, depois da última novela inédita do horário das 22 horas (Sinal de Alerta); e entre 24 de outubro de 1988 e 24 de fevereiro 1989, no “Vale a Pena Ver de Novo” (foi a única novela das dez reapresentada dentro da sessão vespertina). Reexibida também entre 15 de junho e 02 de julho de 1982 (às 22h15), em uma edição de 12 capítulos, como “minissérie especial”, para cobrir o espaço da Copa do Mundo da Espanha.

A TV Globo editou “Gabriela para uma apresentação única, de uma hora e meia de duração, na noite do dia 18 de março de 1980, como parte do “Festival 15 Anos” da emissora (apresentação de Aldemir Martins).

Fontes: Site Teledramaturgia e livros “Memória da Telenovela Brasileira”, Ismael Fernandes, “Almanaque da TV”, Bia Braune e Rixa, “O Circo Eletrônico”, de Daniel Filho e “Livro do Boni”, biografia de José Bonifácio de Oliveira Sobrinho.

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