Cultura Pop: Xica da Silva (1996/97)

Baseada nos romances Chica que Manda, de Agripa Vasconcellos, e Xica da Silva, de João Felício dos Santos, a novela Xica da Silva começava há exatos 27 anos pela extinta Rede Manchete (1983-1999), no que viria a ser um dos grandes sucessos da emissora de Adolpho Bloch (1908-1995). Baseada em fatos históricos e exibida de 17 de setembro de 1996 a 11 de agosto de 1997, em 231 capítulos, a trama escrita por Walcyr Carrasco (com o pseudônimo de Adamo Angel), teve a colaboração de José Carvalho, direção de João Camargo e Jaques Lagoa, J. Alcântara, Lizâneas Azevedo e direção geral de Walter Avancini. Marcada por inúmeras cenas sensuais e alto teor de violência, o enredo marcou época e deu destaque para diversos talentos tais como Taís Araújo, Victor Wagner, Drica Moraes, Carla Cabral, Murilo Rosa, Adriane Galisteu, Zezé Motta, entre muitos outros. Alem disso, a então novata Taís Araújo se tornou a terceira atriz negra a protagonizar uma telenovela brasileira, depois de Iolanda Braga em A Cor da Sua Pele (1965) e Ruth de Souza em A Cabana do Pai Tomás (1969). Por isso, vale relembrar um pouco desta obra nostálgica da nossa cultura pop que teve uma produção caprichada e que ainda hoje se encontra na memória afetiva do público de novelas.

Taís Araújo interpretou Xica em “Xica da Silva”. Sucesso da TV Manchete completa 27 anos de sua estreia em 2023. (Foto: Reprodução/TV Manchete)

Produção

Com uma apurada e esmerada direção de Walter Avancini, Xica da Silva foi uma novela empolgante e forte, ao mesmo tempo que dispunha, por diversas vezes, do apelo sexual e realista em suas cenas, onde a trama não poupou em cenas de violência explícita. Foram muitas as gravações de assassinatos, execuções e torturas. Um dos momentos mais impactantes da novela, por exemplo, foi a morte de Maria (Zezé Motta): teve seus braços e pernas amordaçados a quatro cavalos que, assustados por um tiro, correram em direções contrárias, esquartejando o seu corpo em plena praça pública.

A fim de chamar a atenção para a novela, mais uma vez a arma usada pela Manchete foi o erotismo e a exímia retratação histórica. Para tal, a emissora gastou algo por volta de 6 milhões de dólares. Uma cidade cenográfica foi projetada em Maricá, local a qual havia o Arraial do Tijuco (MG) do século 18, que foi reconstituído. Diversas cenas foram realizadas em Minas Gerais, retratando a natureza e beleza da região. A obra também utilizou alguns cenários em Portugal – como em seus últimos capítulos, que foram gravados em Lisboa, no Palácio Pombal.

Enredo

A trama retrata a história da lendária Xica da Silva (Tais Araújo), escrava que se transformou em rainha em pleno século 18, em Minas Gerais, no Arraial do Tijuco (atual Diamantina). Xica é espevitada e inteligente: muito por conta disso, arranjou um marido branco rico, largou a escravidão e escandalizou a sociedade dissimulada de sua época, sacudida pelo desejo do diamante.

O Comendador D’Abrantes (Reynaldo Gonzaga), incumbido do Rei pelas minas de diamantes, vendeu Xica e sua mãe Maria (Zezé Motta) a uma casa de prostituição. A moça se vingou subtraindo sua fortuna em diamantes escondida em um baú. Orquestrado por Xica com a cumplicidade do negro Quiloa (Maurício Gonçalves), que a ama, o plano desmoralizou seus senhores, que, incriminados por traição, foram mandados à prisão em Portugal. Para não restar dúvidas sobre a acusação, Xica e Quiloa esconderam o baú debaixo da terra, para que, mais tarde, conquistassem suas alforrias ao compra-las.

Maria (Zezé Motta) e Xica da Silva (Taís Araújo) em cena da novela. Alto teor de violência marcaram algumas cenas do folhetim. (Foto: Reprodução/ TV Manchete)

Com a ruína da família do contratador, Quiloa foge para um quilombo, enquanto Xica é comercializada para o Sargento-Mor Tomaz Cabral (Carlos Alberto), homem vil e cruel que a violenta. Sua nova ama é a maquiavélica Violante (Drica Moraes), filha de Cabral. Na casa dele, Xica conhece o novo contratador da região, João Fernandes de Oliveira (Victor Wagner), Jovem que assegura casar-se com Violante, mas se encanta com a escrava e decide comprá-la. Assim, não querendo aborrecer o contratador, Cabral vende Xica.

A escrava é mandada ao contratador, porém, não permite que ele a toque. Isso atiça ainda mais sua devoção por ela. João, ludibriado pela beleza de Xica, resolve esperar que ela mesma o procure. Após a primeira noite de amor, e de muito discutir com Violante, o contratador termina o compromisso com a noiva e decide assumir em público o seu amor por Xica. Sagaz e decidida, Xica, já liberta, se arma com a maior pompa possível e imaginável, com direito a um mar e um navio dentro de sua fazenda, além dela mesma conseguir sete mucamas.

Se tornando uma verdadeira rainha, Xica da Silva desdenha da nobreza que antes a assolava. Apaixonada pelo marido, ela está decidida a defender esse amor contra tudo e todos, enfrentando Violante, inclusive. Descontente por ter sido rejeitada por uma negra e obcecada por sua paixão pelo contratador, a vilã faz de tudo para importunar a vida de sua oponente. Portanto, eles precisam lidar com uma falsa acusação de bruxaria contra Xica, orquestrada por Violante, e uma chantagem, que coloca em dúvida o derradeiro final feliz entre a ex-escrava e seu contratador.

Bastidores e Curiosidades

Xica da Silva trouxe de volta à Rede Manchete o terceiro lugar no ranking da televisão, fazendo com que a emissora recobrasse seu prestígio depois de anos de crise. Pena que durou apenas o tempo da novela no ar. (Site Teledramaturgia)

O grande mistério da novela aconteceu nos seus bastidores. Quem era o tal Adamo Angel que era o autor da novela? A imprensa cogitou na época até nomes da própria Globo.

Restando pouco para o término da novela, o suspense acabou. O autor do folhetim era na verdade Walcyr Carrasco, contratado do SBT na época (por isso o novelista utilizou um pseudônimo). O sobrenome Angel era um antônimo do sobrenome do autor, Carrasco.

Drica Moraes interpretou um dos seus melhores personagens em televisão como a vilã invejosa e cruel Violante em “Xica da Silva.” (Foto: Reprodução/TV Manchete)

O diretor Walter Avancini convidou Walcyr Carrasco para escrever na Manchete, porém, o autor apenas assentiu se continuasse no SBT com outro nome, sem que Silvio Santos soubesse. Fontes na época disseram que, por conta do ocorrido, Silvio obrigou Carrasco a escrever uma novela para o SBT, onde posteriormente ele assinou a autoria de Fascinação, em 1998.

Ao livro “A Seguir, Cenas do Próximo Capítulo”, de André Bernardo e Cíntia Lopes, Carrasco disse que Fascinação não foi concebida através de uma ordem do SBT, e sim, por uma consequência de um novo contrato com a emissora, dessa vez como novelista, pois o contrato que ele possuía era somente de assessor do departamento de dramaturgia.

A decisão sobre a personagem central do enredo foi uma dificuldade para o diretor Walter Avancini. Após uma criteriosa seleção por todo o país, ele percebeu que sua Xica estava mais próxima do que imaginava: a então novata Taís Araújo, que tinha acabado de finalizar a sua participação em Tocaia Grande, a novela anterior da mesma emissora, onde fazia o papel de Bernarda. Ainda que fosse muito nova para o personagem (o ideal seria que o papel tivesse por volta dos 25 e Taís tinha somente 17), a atriz surpreendeu com sua interpretação, revelando-se um grande talento e que coube como uma luva para o personagem.

As cenas com nudez conquistaram bastante espaço na história. Adriane Galisteu foi quem mais apareceu nessa condição. Taís Araújo, por sua vez, não tinha idade para aparecer nua. A atriz era menor, por isso, quando completou 18 anos (em 25 de novembro de 1996, durante a novela), Avancini comemorou. Uma semana depois de seu aniversário – e depois de mais de 50 capítulos de espera -, a atriz apareceu nua, no capítulo do dia 02 de dezembro de 1996. O assunto foi, inclusive, capa da revista Manchete. (“Almanaque da TV”, Bia Braune e Rixa)

Realizando o papel da mãe de Xica – Maria, personagem de Zezé Motta, célebre pela sua personagem título (Xica da Silva) do cinema, no aclamado filme de Cacá Diegues, de 1976. Uma curiosidade é que, em 1979, Zezé retornou ao papel no episódio “O Tesouro de Xica da Silva”, da série Aplauso, da Globo, apresentado em em novembro daquele ano.

No último capítulo da novela, ocorre uma passagem de tempo na história e Zezé Motta (a mãe de Xica, que tinha sido assassinada), volta para interpretar a Xica velha. Já Taís Araújo também retorna, como Joana, filha de Xica.

Além de Taís Araújo e Zezé Motta, outros intérpretes fizeram bonito em seus respectivos papéis, tais como Guilherme Piva, no seu início em novelas, como o homossexual Zé Mulher. Já Drica Moraes obteve seu primeiro grande personagem em televisão, ao fazer da pérfida Violante, um dos melhores trabalhos como atriz.

Novata em novelas, Adriane Galisteu interpretou Clara (Mãe D’água) em “Xica da Silva”. Cenas de nudes foram constantes no enredo. (Foto: Reprodução/ TV Manchete)

Um acontecimento trágico aconteceu durante a novela. O ator Alexandre Lipiani (Padre Eurico da trama), faleceu antes do término de Xica da Silva. Ele nos deixou por conta de um acidente automobilístico, ocorrido em maio de 1997 (o ator tinha somente 32 anos). Um detalhe é que as suas cenas ainda não tinham sido finalizadas. No começo do primeiro bloco do último capítulo com Lipiani, a produção da novela realizou uma homenagem ao artista através do seguinte texto: “Termina hoje a participação do ator Alexandre Lipiani. O nosso Padre Eurico, que esperamos ter encontrado o refúgio da paz. Queremos deixar registrada aqui a única palavra capaz de expressar o nosso mais profundo sentimento: saudade.”

A novela teve diversas participações especiais. Uma dela foi da atriz pornô italiana Cicciolina (Ilona Staller). Também fizeram participações marcantes durante a narrativa os cantores Eduardo Dussek, Kiko Zambianchi e Leci Brandão.

Em 1997, durante a fase final que da novela, a Manchete promoveu sorteios de prêmios para o público que assistia Xica da Silva. Na ocasião, a audiência do folhetim tinha que elucidar com quem o Contratador João Fernandes (Victor Wagner) terminaria na trama: com Xica, Violante ou sozinho.

Abertura

A abertura magistral da versão original de 1996 de Xica da Silva, exibida pela Rede Manchete mostrava cenas de quadros arcaicos entre rosas vermelhas, nuvens e vários arcanjos celestiais, voando e segurando placas que continham os nomes dos atores que compunham a novela. Ao final era mostrado a protagonista, Taís Araújo, a própria Xica da Silva, como se estivesse representando uma santa de altar ao passo que uma mão tenta tirar seu manto (ao que ela recompõe em seguida). A trilha da abertura era “Xica Rainha”, interpretada por Patrícia Amaral, Marcus Viana e a Transfônica Orkestra.

Já a abertura de Xica da Silva exibida pelo SBT, em sua reprise pela emissora de Silvio Santos no ano de 2005, mostrava somente placas com os nomes dos atores da trama e correntes para representar a escravidão, acompanhado de cenas da protagonista, Tais Araújo, como a personagem título. Dessa vez, a abertura apresentava outra trilha musical, com a canção “Xica da Silva”, interpretada por Jorge Ben.

Zé Maria (Guilherme Piva), Elvira (Giovanna Antonelli) e Paulo (Déo Garcez) nos bastidores da obra. Elenco repleto de talentos foi um dos diferenciais da produção. (Foto: Divulgação/TV Manchete)

Trilha Sonora

As trilhas sonoras de “Xica da Silva” foram compostas e produzidas por Marcus Viana. A primeira trilha foi lançada na época da novela, através da Bloch Som e Imagem, e tinha como destaque em sua composição musical as canções: “Quenda”, de Patrícia Amaral (tema de Xica); “Trindade”, de Marcus Viana (tema de Luiz Felipe e Micaela); “Encontro das Águas”, de Eduardo Dussek (tema de Martim e Das Dores); “Canção de Ninar”, de Carla Villar (tema de Clara); “Caco de Estrela”, por Zezé Motta (tema de Xica); “Concerto de Outuno”, da Transfônica Orkestra (tema de Zé Maria), entre muitas outras.

Já a segunda trilha sonora da novela foi lançada por ocasião da reapresentação no SBT, em 2005, e foi produzida pela Sonhos e Sons, de Marcus Viana. As trilhas se diferem uma da outra pela inclusão e exclusão de algumas músicas em cada uma delas, tais como: “Minueto e Serenata (Zé Mulher)”, de Rosane Viana (tema de Zé Maria); e “Alma das Pedras”, da Transfônica Orkestra. A capa dos dois álbuns foram estampadas por Taís Araújo (Xica da Silva), a protagonista da trama exibida pela extinta Rede Manchete.

Prêmios

Por sua interpretação como Violante, Drica Moraes foi a vencedora da APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) como a melhor atriz em TV no ano de 1996 (ao lado de Arlete Salles pela novela Salsa e Merengue). Ainda, a então atriz Tereza Sequerra foi premiada como revelação feminina em TV e Taís Araújo venceu o Troféu Imprensa de revelação em televisão no ano de 1996.

Recorde

Com 231 capítulos, Xica da Silva é a quarta novela mais extensa da TV Manchete. A primeira é Mandacaru (1997-1998), com 259 capítulos, seguida de A História de Ana Raio e Zé Trovão (1991-1992), com 251 capítulos, e Tocaia Grande (1995-1996), com 236 capítulos.

Sucesso Internacional

Xica da Silva conquistou enorme exito internacional. A novela foi exibida por várias vezes em inúmeros países, tais como: Portugal, Chile, República Dominicana, Angola, Venezuela, Equador, Rússia, Colômbia, Bolívia, Honduras, Nicarágua, Porto Rico, Panamá, Paraguai, Peru, Guatemala, Japão, Argentina, entre outros. Nos Estados Unidos, inclusive, foi apresentada pela emissora Telemundo e considerada a porta de entrada para as novelas brasileiras no país.

O sucesso do folhetim foi tão grande, que a atriz Taís Araújo foi contratada pela Telemundo por um ano para fomentar a novela e terminou participando de um reality show do canal. Também por conta do fenômeno Xica da Silva, Taís realizou uma participação especial na produção colombiana Betty, a Feia. Na época, ela foi escolhida pela revista People espanhola como uma das 50 personalidades mais belas do mundo. (Fernando Shcweitzer para o portal Observatório da Imprensa, 15/09/2009)

Contratador João Fernandes (Victor Wagner) e Xica da Silva (Taís Araújo) em imagem de divulgação da novela. Trama da Manchete conquistou enorme êxito internacional. (Foto: Reprodução/TV Manchete)

Reprises

Em 2005, o SBT comprou os direitos para exibir Xica da Silva e a novela foi reapresentada entre 28 de março e 09 de dezembro, em 218 capítulos. Por ocasião desta reprise, o SBT criou uma nova abertura e outro tema musical: a célebre canção cantada por Jorge Benjor, que tinha sido tema do filme de 1976. O sucesso da exibição da novela pelo SBT fez a Band adquirir os direitos de outra novela da extinta TV Manchete: Mandacaru, que retornou em 2006.

Fonte: Site Teledramaturgia.

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