Campeões de Audiência: Vale Tudo (1988)

Há exatos 35 anos, terminava uma das melhores novelas brasileiras de todas as eras: Vale Tudo (1988). Produzida e exibida pela Rede Globo entre 16 de maio de 1988 a 6 de janeiro de 1989, em 204 capítulos, a novela é até hoje considerada um dos maiores fenômenos de audiência e repercussão da faixa nobre global, principalmente depois do famoso “Quem Matou Odete Roitman?”, sempre recordado pelos admiradores do gênero telenovela. O assassinato da vilã rendeu recorde de ibope na época e até hoje é lembrado como um dos maiores mistérios da nossa teledramaturgia. Escrita à “seis mãos” por Gilberto Braga, Aguinaldo Silva e Leonor Bassères, e a direção de Dennis Carvalho (também na direção geral) e Ricardo Waddington, a obra marcou pelo enredo quase perfeito e o talento de boa parte de seu elenco formado por Regina Duarte, Antônio Fagundes, Glória Pires, Carlos Alberto Riccelli, Beatriz Segall, Reginaldo Faria entre muitos outros. Por isso, vale relembrar essa produção impecável e campeã de audiência, eleita pela revista Veja em 2016, junto com Avenida Brasil, foram eleitas como as “melhores telenovelas brasileiras” de todos os tempos.

Regina Duarte (Raquel Acioly) e Glória Pires (Maria de Fátima) em “Vale Tudo”. Novela de sucesso completa 35 anos em 2023. (Foto: Reprodução/TV Globo)

Sinopse

A jovem Maria de Fátima (Glória Pires) não acredita que as pessoas podem vencer baseadas na honestidade. Pensando assim, ela vende a casa da família, deixando a mãe sem teto, e vai para o Rio de Janeiro com o objetivo de vencer na vida como modelo ou com um casamento por interesse financeiro. Lá, ela conhece e relaciona-se com o vigarista César Ribeiro (Carlos Alberto Riccelli), modelo quase aposentado e, para conquistar suas metas, usa dos meios mais obscuros. Depois, conhece o milionário Afonso Roitman (Cássio Gabus Mendes) e, com várias tramoias, consegue separa-lo de sua namorada, Solange (Lídia Brondi), e casar-se com ele.

Já a mãe de Fátima, Raquel (Regina Duarte), ao contrário da filha, é justa e honesta. Para ela, apenas o trabalho é capaz de dar sentido e dignidade ao homem. Quando foi largada pelo marido com uma filha para sustentar, não teve medo de batalhar sozinha para a criação da herdeira. Depois de ter sido ludibriada pela filha, Raquel vai ao Rio de Janeiro para encontra-la e se instala na cidade. Lá, ela conhece Ivan (Antônio Fagundes), por quem se apaixona, e passa por diversas batalhas para viver esse amor. Com o passar do tempo, ela se transforma em uma grande mulher de negócios, onde de vendedora de sanduíche na praia passa ser a prorietária de uma rede de restaurantes, a Paladar.

A trama sofre uma mudança significativa quando Raquel acha uma mala com 800 mil dólares perdida pelo executivo corrupto Marco Aurélio (Reginaldo Faria), contudo, não assente em ficar com a fortuna, como propôs Ivan. Nesse meio tempo, a mala desaparece por intermédio de uma armação de Fátima. Raquel, assim, crê que foi Ivan quem levou o dinheiro. Os dois acabam terminando o relacionamento e Ivan casa-se com Heleninha (Renata Sorrah), uma artista plástica delicada e alcoólatra, filha da influente e poderosa Odete Roitman (Beatriz Segall), proprietária da companhia de aviação TCA, e principal referência quando se trata dos problemas psicológicos enfrentados por sua filha.

Reginaldo Faria (Marco Aurélio) e Cássia Kiss (Leila) em “Vale Tudo”. Discussão sobre honestidade e ética no Brasil foi uma das questões levantadas pela trama das 20h. (Foto: Reprodução/ TV Globo)

Com o passar do tempo, Odete começa a ter um interesse romântico por César, amante de Fátima que, à essa altura dos acontecimentos, virou sua nora, ao casar-se com seu filho Afonso. Odete é uma mulher abastada e arrogante, capaz de qualquer coisa para defender os seus interesses. O que ela não esperava é que fosse assassinada à tiros enquanto tinha uma séria briga com Marco Aurélio, executivo de sua empresa, ao saber que ele era o dono da mala com dólares e, ainda, que tinha retirado uma fortuna de seu patrimônio. Assim, Marco Aurélio foge com o dinheiro e a polícia busca incansavelmente pela pessoa que matou Odete Roitman. Enquanto isso, Fátima e César arquitetam um novo golpe, mas dessa vez, em outro país.

Produção

Assim como qualquer novela fenômeno, ‘Vale Tudo’ também foi destaque em relação aos figurinos dos personagens. Um exemplo ocorreu na caracterização de Odete Roitman (Beatriz Segall). A figurinista Helena Gastal sabia que o papel era de uma mulher que adorava levar para cama homens mais novos e não teve dúvidas: colocou a atriz com os joelhos à vista.

Outro recorte relevante quanto ao visual dos personagens da novela foi o cabelo de Lídia Brondi, intérprete da produtora de moda Solange Duprat. O corte da atriz ficou popular entre o público do enredo. Um liso, ruivo e com uma franja reta. O sucesso foi tanto que até as roupas utilizadas pela personagem se tornaram tendências de moda na época.

Ações Socioeducativas

Além de falar sobre problemas sociais e debater valores como ética e honestidade, a novela relatou também sobre as dificuldades para lidar com o alcoolismo, expondo as etapas de recuperação dos dependentes por intermédio da fragilidade da artista plástica Helena Roitman (Renata Sorrah), que possui um medo enorme de enfrentar a mãe e se curva, assim, à sua influência danosa. Odete Roitman (Beatriz Segall) faz a filha crer que é a principal culpada pela morte do irmão.

Renata Sorrah interpretou Helena Roitman na novela fenômeno dos anos 1980. Um dos temas sociais mostrado no enredo foi o alcoolismo, muito bem realizado pela atriz. (Foto: Reprodução/TV Globo)

No final da novela, em cena indiscutível sobre o processo de recuperação dos dependentes e de seus problemas, Heleninha procura o auxílio dos Alcoólicos Anônimos. O diretor Dennis Carvalho chegou a realizar uma participação na história como William, que vai junto com Helena a reuniões do AA, e os dois viram namorados. Na vida real, como brincadeira, o nome da personagem terminou sendo integrado pelo público como semelhante a pessoas alcoólatras ou embriagadas.

Ainda, pela primeira vez, uma trama debateu de maneira clara um relacionamento homossexual, entre as personagens Laís, de Cristina Prochaska, e Cecília de Lala Deheinzelin. Entretanto, a novela enfrentou alguns problemas com a Censura Federal por conta deste núcleo. Assim agumas falas entre Laís e Cecília precisaram ser adaptadas após algumas restrições impostas pela censura. Uma delas ocorreu quando, em uma cena, as duas confessavam a Heleninha (Renata Sorrah) sobre os preconceitos que sofriam por conta de seu relacionamento. Os censores ficaram observando o desenrolar na trama das lésbicas e conversas inteiras foram previamente vetadas antes de irem ao ar.

Curiosidades e Bastidores

Um dos maiores sucessos da teledramaturgia nacional, apontada por parte da crítica especializada como a melhor novela da TV brasileira de todos os tempos. (Site Teledramaturgia)

É muito comum creditarem a autoria de ‘Vale Tudo’ só a Gilberto Braga. Contudo, Poucos se recordam que a novela também foi escrita por Aguinaldo Silva e Leonor Bassères. O mesmo Braga achava importante ressaltar a relevância dessa parceria à seis mãos. Aguinaldo Silva, por exemplo, era a pessoa que ficava a cargo de realizar as escaletas (estruturas do roteiro).

Talvez Vale Tudo tenha sido a novela que mais perto chegou da perfeição, como folhetim e como proposta de entretenimento na televisão. Resultado do texto, direção e elenco formidáveis, o que possibilitou a identificação do público com tramas e personagens fáceis de torcer, amar e odiar. Com uma trama arrebatadora, dinâmica e empolgante, não houve barriga (aquele momento na história em que nada acontece). Em momento algum a novela fez o público perder o interesse. Poucas novelas causaram essa comoção generalizada de forma tão completa e homogênea. (Site Teledramaturgia)

A novela se transformou em uma referência e um ícone da cultura pop brasileira. A crítica à corrupção colocado no enredo, de maneira geral associada à política brasileira, mostrou o quanto Vale Tudo é uma produção que não envelhece, ou seja, é uma obra atemporal.

Beatriz Segall (Odete Roitman) e Nathália Timberg (Celina) em cena da novela. Morte misteriosa nas duas semanas finais do folhetim virou assunto e alvo de apostas pelo Brasil inteiro. (Foto: Reprodução/TV Globo)

O sucesso fez Vale Tudo ser espichada e obrigou os autores a mudarem o rumo de algumas tramas. Foi aí que surgiu o “Quem matou Odete Roitman?”, que, inicialmente, não estava previsto. Na sinopse original, Fátima (Glória Pires) mataria Marco Aurélio (Reginaldo Faria) e Raquel (Regina Duarte) se entregaria à polícia no lugar da filha. Essa trama acabou não acontecendo. Em substituição, Odete foi morta e o mistério de seu assassino rendeu história para mais algumas semanas de novela. (Heloísa Eterna, jornal O Dia, 11/12/1988, TV Pesquisa PUC-Rio)

O clima de suspense da trama foi potencializado pelos autores quando foi escrito cinco versões diversas para o último capítulo, onde o elenco apenas soube do desfecho verdadeiro durante a gravação da cena. O mistério da identidade do assassino de Odete Roitman, ainda que tenha ficado no ar somente por 11 capítulos, caiu na “boca do povo” em rodas de conversas pelo país. O burburinho foi tamanho que teve até um concurso, patrocinado por uma indústria alimentícia, para dar um prêmio para quem adivinhasse a alcunha do assassino da vilã.

Papel que marcou sua carreira em televisão, Beatriz Segall não foi a primeira atriz chamada para o papel de Odete Roitman. Um dos autores do folhetim, Gilberto Braga imaginou anteriormente por Tônia Carrero e Odete Lara para interpretar a icônica personagem.

De acordo com Aguinaldo Silva, que foi o responsável pela autoria da trama com Gilberto Braga e Leonor Bassères, a decisão de colocar Leila (Cassia Kis) como a assassina foi uma escolha definida de última hora pois, da maneira como a cena foi orquestrada, diversos personagens poderiam ter realizado o crime.

Odete Roitman angariou uma enorme popularidade e se tornou uma das vilãs mais lembradas da teledramaturgia. O papel marcou o retorno de Beatriz Segall à Globo depois de cinco anos afastada da emissora. Seu último personagem tinha sido na novela Champagne (1983), de Cassiano Gabus Mendes. No folhetim anterior, ela fez Eunice, uma mulher comum e humilde, que fazia oposição com os tipos elegantes que se acostumou a realizar em televisão.

‘Vale Tudo’ também marcou o retorno de Pedro Paulo Rangel às novelas depois de dez anos. A última trama que o artista tinha realizado na emissora foi em  O Pulo do Gato (1978), de Bráulio Pedroso, onde fez o personagem Chiquinho.

Glória Pires brilhou como a vilã vigarista Maria de Fátima. Elenco coeso e interpretações marcantes foram alguns diferenciais da novela. (Foto: Reprodução/ TV Globo)

A novela foi a estreia em novelas da Globo dos atores Marcello Novaes, Otavio Muller e Flávia Monteiro.

Vale Tudo foi comercializada para mais de 30 países, entre os quais estavam Alemanha, Angola, Bélgica, Canadá, Estados Unidos, Itália, Peru, Polônia, Turquia e Venezuela.

Em 2014, a Globo Marcas lançou o box de Vale Tudo, com 13 DVDs.

A novela foi uma das primeiras produções folhetinescas disponibilizadas na íntegra pelo Globoplay (plataforma streaming do Grupo Globo) em 19 de julho de 2020.

Abertura

A abertura da novela mostrava uma ordem de fotografias e vídeos em ritmo apressado, com diversos temas tendo como referência o Brasil: bandeira, belezas naturais da flora e fauna, arte popular, futebol, carnaval, praia, pontos turísticos, monumentos, favelas, paisagens rurais e urbanas, etc. Ainda no começo, entre as imagens, apareciam fotos dos quatro protagonistas da trama: Regina Duarte, Glória Pires, Antônio Fagundes e Carlos Alberto Riccelli. Algumas das imagens ficavam quadriculadas, originando uma espécie de mosaico, recurso hoje conhecido como pixelização.

Trilha Sonora

A trilha nacional de Vale Tudo foi um marco da cultura pop. Diversas canções executadas na novela das 20h remetem à memória do público como ligadas ao enredo como, por exemplo, “Tá Combinado”, com Maria Bethânia (tema de Raquel e Ivan); “Pense e Dance”, do Barão Vermelho (tema de Fátima), “É”, de Gonzaguinha (tema de locação), “Isto Aqui O Que É”, de Caetano Veloso (tema de Raquel), “A Sombra da Partida” (tema de Afonso), “Penso Nisso Amanhã” (tema de Ivan) e “Faz Parte do Meu Show“, de Cazuza (tema de Solange). A capa do álbum foi estampada por Antônio Fagundes, intérprete do personagem Ivan no folhetim.

Já a trilha sonora internacional de Vale Tudo vendeu impressionantes 1.443.154 cópias, passando na frente da trilha internacional de Dancin´ Days, de 1978. Contudo, este recorde foi novamente batido na sequência, com a trilha internacional da novela das oito que veio na sequência, O Salvador da Pátria, que vendeu mais de 1.463 mil cópias. (“Teletema, a História da Música Popular Através da Teledramaturgia Brasileira”, Guilherme Bryan e Vincent Villari). Entre os destaques da trilha sonora internacional da novela estavam: “Where Do Broken Hearts Go?“, de Whitney Houston, “Crying Overtime” de Alexander O’Neal (tema de Thiago e Fernanda), “Free As A Bird” (tema de Solange), do Supertramp, “Paradise” (tema de Maria de Fátima), de Sade, e os grandes sucessos “Father Figure” (tema de Marco Aurélio e Leila) do astro George Michael e “Baby Can I Hold” (tema de Raquel e Ivan), de Tracy Chapman. A capa do álbum internacional da novela foi estampada pelos atores Cássio Gabus Mendes e Lídia Brondi, intérpretes dos personagens Afonso e Solange na trama, respectivamente.

Lídia Brondi interpretou Solange Duprat em “Vale Tudo”. Figurino e penteado de alguns personagens fizeram grande sucesso entre o público da novela. (Foto: Reprodução/ TV Globo)

Em 2001, a Som Livre lançou novamente em CD a trilha sonora nacional de Vale Tudo, na coleção “Campeões de Audiência”, 20 trilhas nacionais de novelas campeãs de venda jamais antes lançadas em CD (títulos até 1988, pois no ano posterior foram comercializados os primeiros CDs de novelas).

Prêmios

Vale Tudo foi a agraciada através da APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) como a melhor novela de 1988. Glória Pires foi condecorada como a melhor atriz, Sérgio Mamberti, o melhor ator coadjuvante, e Paulo Reis, o ator revelação do ano. A obra também foi a vencedora do Troféu Imprensa de melhor novela e de melhor atriz, para Beatriz Segall.

Remake

Primeira produção da Globo voltada exclusivamente para o mercado externo, em 2002, a Globo e a Telemundo, irmão hispânico da rede americana NBC, efetivaram em uma coprodução, o remake da novela. Adaptada por Yves Dumont, ‘Vale Todo’ (como foi denominada a nova versão) teve direção-geral de Wolf Maya e um elenco de língua hispânica.

Reprises

A novela retornou pela primeira vez na sessão vespertina Vale a Pena Ver de Novo entre maio e novembro de 1992. Em 2010, dezoito anos depois de sua primeira reapresentação, ‘Vale Tudo’ retornou no Canal Viva, exibido em TV fechada, e voltou a fazer grande sucesso. Chamou a atenção nessa segunda reapresentação o estilo e figurino dos atores, todos 22 anos mais jovens. Ainda, a trama voltou novamente no Viva, entre 18 de junho de 2018 e 09 de fevereiro de 2019, às 15h30 e, no horário alternativo, à 0h30.

Regina Duarte foi a protagonista de “Vale Tudo”. Obra é uma das novelas campeãs de audiência brasileira e considerada uma das melhores produções de todos os tempos. (Foto: Reprodução/ TV Globo)

Audiência

Vale Tudo teve uma média geral de 56 pontos. Com isso, é até hoje a oitava colocada entre as novelas de maior audiência da história da Globo. O assassinato da vilã Odete Roitman, inclusive, aconteceu no capítulo 193 (24 de dezembro), véspera de natal, e registrou a impressionante marca de 81 pontos no Ibope. A audiência do folhetim também foi alta em sua primeira reprise no Vale a Pena Ver de Novo. Ao lado de Tieta (1989, reexibida em 1994/1995) e Mulheres de Areia (1993, reprisada entre 1996 e 1997), a novela detém o título de maior audiência da faixa na década de 1990: 28 pontos de média final, considerando as tramas exibidas de dezembro de 1991 a dezembro de 1999, de acordo com dados da Grande São Paulo.

Fontes: Sites Memória Globo, Teledramaturgia e TV História.

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