Nostalgia da TV: Eu Prometo (1983/84)

Há exatamente 39 anos, estreava o primeiro capítulo de Eu Prometo, tentativa da Rede Globo de reativar o horário das 22 horas para a exibição de telenovelas. Produzida e exibida de 19 de setembro de 1983 a 17 de fevereiro de 1984, em 103 capítulos, a obra marcou por ter sido o último trabalho em vida da novelista Janete Clair que, infelizmente, viria a falecer durante o folhetim. Com a colaboração ativa de Glória Perez (que encaminhou a trama até o fim), direção geral de Dennis Carvalho e supervisão de Paulo Ubiratan, a novela não fez feio na audiência, porém, vai ser sempre lembrada como o último enredo da “Maga das Oito”, autora que ajudou a revolucionar e a moldar o gênero “novelas” no país. Assim, vale relembrar algumas curiosidades dessa produção instigante e que tinha nomes como Francisco Cuoco, Dina Sfat, Reneé de Vielmond, Marcos Paulo, Joana Fomm, Walmor Chagas e Ney Latorraca, entre os seus personagens de destaque.

Lucas Cantomaia (Francisco Cuoco) e Darlene (Dina Sfat) em cena de “Eu Prometo”. Novela de Janete Clair foi uma tentativa de reativar o horário das 22h global para folhetins. (Foto: Divulgação/TV Globo)

Sinopse

O deputado federal Lucas Cantomaia (Francisco Cuoco) se encontra no ápice de sua carreira política, a um passo de concorrer a uma vaga no Senado Federal. Sua imagem pública é a de um bom filho, marido e pai, além de político honesto e digno. Faz um excelente trabalho no comando da Organização de Bens Sociais, que presta serviços a ex-presidiários, reabilitando-os ao convívio da sociedade. Por conta disso, inclusive, é bastante elogiado, auxiliando, assim, a conquistar o seu espaço no disputado meio político.

Lucas é casado com Darlene (Dina Sfat), e possui três filhas: Adriana (Júlia Lemmertz), Daisy (Fernanda Torres) e Dóris (Malu Mader). Mas, quando mais necessita de uma aparência de homem perfeito, ocorre uma reviravolta em sua, até então, pacata vida. Ele cai de amores por uma fotógrafa, Kelly Romani (Reneé de Vielmond), fato que desestabiliza sua relação conjugal e, por consequência, o seu retrato ideal de bom marido e uma pessoa com um casamento estável e feliz. Pra completar, seu irmão Justo Dinard (Marcos Paulo), um homem rebelde que vira e mexe possui problemas com a justiça, se reaproxima com muita mágoa de Lucas e, por fim, ainda precisa enfrentar os ataques constantes do seu principal rival político, Horácio Ragner (Walmor Chagas), uma crise familiar com Darlene e as crises de alcoolismo de sua filha, Daisy.

Produção

Em 1983, por conta das dificuldades de estrear minisséries devido a censura, a Globo tomou uma decisão. Reativar o horário das 22h para suas novelas, em um projeto deixado de lado desde 1979 quando foi ao ar o último capítulo de Sinal de Alerta.

Com isso, o núcleo de telenovelas da emissora convidou Janete Clair para reinaugurar o horário. A autora já estava com a saúde muito debilitada naquela época e, por essa razão, a Globo achou melhor não se arriscar e solicitou que ela escrevesse um folhetim para o horário das 10 da noite ao invés do horário das 8 que, tradicionalmente, sempre foi o de mais audiência, faturamento e repercussão da emissora. Para colaborar com a novelista, foi então chamada Glória Perez, que até aquele momento era apenas uma autora novata, mas promissora. Em entrevista ao site Memória Globo, Perez contou como era o trabalho ao lado de Janete. “Ditava o capítulo que cabia a ela e eu apenas anotava. Ela sabia que estava morrendo (…) Como nos encontrávamos todos os dias, fui acompanhando passo a passo aquele piorar. Quando Janete achou que não chegaria ao fim da novela, ela me deu instruções de como queria que a história terminasse (…) todos os desfechos”

Janete Clair escreveu a novela até o capítulo 60. A autora faleceu em 16 de novembro de 1983 ainda com a trama em andamento. Glória Perez finalizou a história criada pela “Maga das Oito”. Para isso, contou com a supervisão de Dias Gomes, viúvo de Janete.

Júlia Lemmertz, no começo da carreira, interpretou Adriana em “Eu Prometo”. O enredo da história possuía um forte apelo político. (Foto: Reprodução/TV Globo)

A novela foi realizada no Rio de Janeiro e no Rio Grande do Sul. Cenas gravadas no Instituto Penal Vieira Ferreira Neto, em Niterói, Rio de Janeiro, também serviram de locação para o enredo. A atriz Joana Fomm (Helô) fez parte dessas gravações e foi convidada para ser madrinha da instituição pelo diretor, devido ao sucesso que fez entre os presos.

A elegância e a força de Darlene (Dina Sfat) estavam registradas pelo seu vestuário. Para responder a uma solicitação do diretor Dennis Carvalho, que queria impor à personagem a sensualidade do poder, o figurinista Chico Spinoza incumbiu ao costureiro Carlos Gil um vestido especial para um das cenas da produção, um modelo em tafetá preto, extenso, cortado na cintura, com manga longa e adicionado por um cinto baixo. Outro detalhe é que ele também possuía um grande decote em V nas costas e não tinha joias, para não tirar o charme da peça. O vestido externou tão bem a força da personagem que o diretor resolveu iniciar a cena com a câmera nas costas dela.

Curiosidades e bastidores

Eu Prometo foi uma investida da TV Globo afim de retornar com o horário das dez da noite para novelas. Essa foi a justificativa da emissora para explicar o fato de Janete Clair, autora tradicional do horário das oito lançar um enredo às 22 horas em uma época onde a faixa para novelas havia sido extinta da grade pela própria emissora. Na realidade, Janete estava bem doente e vinha tratando há quatro anos um câncer no intestino e a direção da Globo optou por poupa-la do seu principal horário de novelas devido a gravidade da doença e também porque a novelista não queria deixar de trabalhar. Naquele momento, seria mesmo perigoso programar uma novela com chances significativas de ter sua autoria alterada no decorrer da obra.

Janete Clair e Francisco Cuoco em imagens divulgadas pela Revista Amiga e Novelas da época do folhetim das dez da noite. Trama global foi o último trabalho de Janete em vida. (Foto: Reprodução/Antônio Rudge)

A Globo estava há quase cinco anos sem exibir novelas às 22 horas e a direção pediu que Janete recondicionasse o público ao horário. Ela não aceitou sem uma certa resistência: “Deixa eu escrever a próxima das oito”, insistia, quando Louco Amor, de Gilberto Braga, estreava. “Vai ser a última novela da minha vida”, disse ela. Não foi atendida. (Site Teledramaturgia)

Eu Prometo era exibida de segunda a sexta-feira, em capítulos de somente 30 minutos, enquanto a média das outras novelas era de 45 minutos, em capítulos exibidos de segunda a sábado. Essa foi uma maneira de impor um ritmo de trabalho menor à autora, que estava doente.

Glória Perez (começando a fazer roteiro de novelas na época) foi chamada então para auxiliar a novelista. Janete chegou a afirmar para a sua colaboradora quando começaram a parceria: “Não sei se vou chegar ao fim dessa novela, mas quero que essa novela chegue ao fim.” (Glória em depoimento a André Bernardo e Cíntia Lopes para o livro “A Seguir, Cenas do Próximo Capítulo”)

Como já era de se esperar, Eu Prometo terminou sendo o último folhetim de Janete Clair, que faleceu em 16 de novembro de 1983, aos 58 anos de idade. A autora escreveu a obra até o capítulo 60. Glória Perez finalizou o enredo depois da sua morte, com supervisão de texto de Dias Gomes, esposo de Janete. O falecimento de Janete Clair gerou uma comoção nacional. A cobertura jornalística que a Globo fez de seu enterro teve até patrocínio do esmalte Monange. (“Almanaque da TV”, Bia Braune e Rixa)

Malu Mader foi Dóris, uma das filhas do político Lucas Cantomaia na produção. Narrativa que tinha o jogo político como pano de fundo inovou o gênero telenovela em 1983. (Foto: Reprodução/TV Globo)

Janete trazia de volta o que ela tinha de melhor para apresentar: um intrincado jogo de personagens que, ao se entrelaçarem com seus dramas, criavam entrechos irresistíveis. Uma boa novela, muita garra do elenco e da equipe, apesar da morte da autora. Infelizmente a repercussão não atingiu o nível apresentado e a “volta” do horário das dez não surtiu efeito. (“Memória da Telenovela Brasileira”, Ismael Fernandes)

Ao mostrar os bastidores da política nacional e as dificuldades do sistema carcerário brasileiro, a escritora trouxe novidades ao seu estilo e ao gênero telenovela, embora os ingredientes folhetinescos fossem os mesmos já usados em suas produções anteriores.

Janete escreveu a personagem Darlene particularmente para Dina Sfat. No início, a atriz não aceitou o convite para atuar na trama. Assim, o nome de Eva Wilma chegou a ser ventilado para fazer o enredo. Contudo, com a insistência da novelista em ter Dina em sua história, a atriz mudou de ideia e aceitou interpretar a mulher de Lucas Cantomaia.

Alguns personagens se destacaram na novela. Um deles foi Walmor Chagas, como o deputado Horácio Ragner, o vilão da obra. Ainda, Ney Latorraca (Albano), Marcos Paulo (Justo Dinar), Fernanda Torres (Daisy) também interpretaram bem os seus respectivos papeis na trama.

Eu Prometo foi a primeira novela das atrizes Malu Mader, da agora saudosa Cláudia Jimenez, Nina de Pádua e Inês Galvão. Ainda, foi o primeiro trabalho na Globo da atriz Júlia Lemmertz e do ator Ewerton de Castro e a única novela completa na emissora da veterana atriz Leonor Lambertini.

O primeiro título imaginado para a novela foi O Homem Perfeito.

Abertura

A abertura de Eu Prometo apresentava imagens em preto e branco do protagonista Lucas Cantomaia (Francisco Cuoco) realizando uma campanha eleitoral fictícia em ações como cumprimentar eleitores e trabalhadores, carregar um bebê no colo, conceder entrevistas a imprensa, acenar com as mãos, entre outras características pertinentes de todo político. De autoria de Antonio Carlos Jobim, que a registrou, o tema de abertura da novela era a música “Promessas”, e foi interpretada pela cantora Fafá de Belém.

Lucas Cantomaia (Francisco Cuoco) e Keli/Celine Romani (Renée de Vielmond) nos bastidores de “Eu Prometo”. Grande sucesso de Caetano Veloso marcou o romance do casal. (Foto: Reprodução/TV Globo)

Trilha Sonora

A trilha sonora de “Eu Prometo”, com direção de produção de Guto Graça Mello, tinha como destaque em sua trilha musical as composições: “Você é Linda” de Caetano Veloso (tema de Lucas e Keli); “Estranhas Maneiras” de Joanna; “Feliz” do mestre Gonzaguinha (tema de Albano e Joana); o hit “Tudo Que Eu Tenho (Tranquilo)” do Ritchie; “Amor Aventureiro” de Cláudio Nucci, entre outras canções.

Já a trilha internacional da obra possuía como destaques as músicas “Tonight I Celebrate My Love”, parceria entre Roberta Flack & Peabo Bryson (tema de Lucas e Keli); “Telephone (Long Distance Love Affair)” da cantora escocesa Sheena Easton; o sucesso “My Love” de Lionel Ritchie (tema de Darlene); “Vamos a La Playa” do grupo de Italo disco de Turim, Righeira, além de “No See No Cry” da cantora norte americana Chaka Khan. A capa dos dois álbuns foi ilustrada com imagens de Francisco Cuoco, intérprete do protagonista Lucas Cantomaia no enredo.

Homenagem

Uma homenagem a Janete Clair foi feita no final da exibição do último capítulo do folhetim, datado em 17 de fevereiro de 1984. Para isso, foi utilizada uma imagem da novelista e fotos do elenco, com a canção “Eternamente”, de Gal Costa, ao fundo. Por fim, aparece a sua célebre frase “Eu gostaria que o ser humano acreditasse que existe uma força capaz de mudar sua vida. É bom confiar em si mesmo e esperar um novo amanhecer. Essa mesma citação foi utilizada no último ato de Sétimo Sentido, novela anterior da autora.

Fontes: Sites Memória Globo e Teledramaturgia.

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