Esquecidas pelo VPVDN: Corpo a Corpo (1984/85)

A novela Corpo a Corpo terminava há 37 anos pela TV Globo como um grande sucesso escrito por Gilberto Braga. Produzida e exibida pela emissora de 26 de novembro de 1984 a 21 de junho de 1985, em 179 capítulos, esse folhetim foi a primeira parceria dentre muitas outras entre o autor e Dennis Carvalho, diretor geral, e é marcada pelo polêmico pacto entre Eloá (Débora Duarte) com o diabo personificado na figura de Raul (Flávio Galvão), o melhor da trama. Além disso, Corpo a Corpo foi considerada por Gilberto Braga como sua melhor novela, o que deixa os nostálgicos pela obra sem entender porque ela é mais uma na lista das novelas esquecidas pela emissora que não a reapresentou na sessão vespertina Vale a Pena Ver de Novo. Assim, vale relembrar a produção, bastidores e curiosidades deste enredo atraente que tinha nomes do primeiro escalão global como Débora Duarte, Antônio Fagundes, Glória Menezes, Hugo Carvana, Joana Fomm, Zezé Motta, Marcos Paulo, Flávio Galvão e Stênio Garcia nos papéis centrais.

Débora Duarte (Eloá) e Antônio Fagundes (Osmar) protagonizaram Corpo a Corpo, novela de Gilberto Braga dirigida por Dennis Carvalho e exibida entre 1984 e 1985. (Foto: Reprodução/TV Globo)

Sinopse

A novela Corpo a Corpo conta inicialmente a história de Eloá (Débora Duarte), uma mulher inteligente e ambiciosa, que procura projeção social e profissional. Com esse intuito, ela se esforça para se destacar na empresa de engenharia Fraga Dantas S.A, a qual ela e o marido, Osmar (Antônio Fagundes), trabalham. Entretanto, Osmar é um sujeito desinteressado, sem maiores ambições, o oposto da esposa.

Então, em uma festa, Eloá conhece o misterioso Raul (Flávio Galvão). Naquele instante, ela estava chateada por não ter conquistado uma promoção. Sabendo disso, ele lhe assegura que poderá fazer com que ela tenha ascensão profissional. A partir daí, Eloá começa a se sobressair no trabalho e sua escalada ocupacional acompanha, de forma contrária, ao declínio de Osmar, estabelecendo uma crise conjugal em seu, até então, tranquilo casamento.

A situação do casal, que já era difícil, sai do controle quando Eloá conquista um posto importante na direção da empresa e, devido a uma chantagem de Raul, é forçada a demitir o marido. Graças a influência do “coisa ruim”, ela consegue o cargo de presidente da empresa no exterior e viaja para o Cairo. Com o tempo, e exausta de ser influenciada por Raul, Eloá decide retornar e encontrar o que há por trás do pacto que fez com este homem.

Enquanto isso, Tereza (Glória Menezes), arruma um emprego como enfermeira na mansão da rica família Fraga Dantas com o intuito de conquistar o viúvo Alfredo (Hugo Carvana), o patriarca dali, e acabar com todas as suas dificuldades financeiras. Na verdade, o que ninguém sabe é que este casamento e o pacto de Eloá e Raul fazem parte do projeto de vingança de Tereza contra Osmar, homem o qual ela se apaixonou no passado e que escolheu outra mulher como esposa ao invés dela.

Marcos Paulo (Cláudio) e Zezé Motta (Sônia) nos bastidores da novela. Racismo dentro e fora das telas marcou a produção global. (Foto: Reprodução/TV Globo)

Raul assegura a Tereza que pode fazer Osmar se apaixonar por ela, porém, ela precisaria assassinar Alfredo Fraga Dantas. Assim, Tereza até prepara a morte do patriarca com uma injeção letal, mas desiste e, então, revela a Osmar que foi ela a pessoa que fez Raul se aproximar de Eloá, com o objetivo de separar o casal. Ela desiste do amado, a partir daquele momento, pois percebe que ele ama realmente Eloá.

Sabendo disso, Osmar resolve investigar o motivo de Raul almejar a morte de Alfredo e descobre que seu irmão, Amauri (Stênio Garcia), é quem planejou tudo. Enquanto isso, Alfredo se relaciona com Lúcia Gouveia (Joana Fomm), ex-mulher de Amauri, e se casa com ela. Lúcia é uma mulher carreirista que anseia pela sua estabilidade através de matrimônios com homens ricos. Por outro lado, Amauri nutre o desejo de liquidar seu adversário.

Tramas Paralelas

Beatriz (Malu Mader) e Rafael (Lauro Corona)

Dentre várias tramas secundárias de Corpo a Corpo, o romance entre Beatriz (Malu Mader) e Rafael (Lauro Corona) merece destaque. No começo da história, ela namora Zeca (Caíque Ferreira), e Rafael está comprometido em noivado com Ângela (Andréa Beltrão). Os dois se apaixonam logo ao se conhecerem no curso de datilografia, porém, por serem comprometidos, precisam esconder o que sentem um pelo outro. No decorrer da novela, Bia chega a marcar o casamento com Zeca, mas renuncia ao noivado quando Rafael declara que é apaixonado por ela e não suportaria vê-la com outra pessoa.

Alfredo Fraga Dantas (Hugo Carvana) e a arrivista Lúcia Gouveia (Joana Fomm) em cena de Corpo a Corpo. Produção soube segurar o telespectador com uma trama bem amarrada. (Foto: Reprodução/TV Globo)

Produção

A novela foi gravada nos estúdios da Globo, no Jardim Botânico. O primeiro capítulo de Corpo a Corpo revelou o desespero de Guiomar (Eloísa Mafalda) e Machado (Turíbio Ruiz) por conta de uma enchente que acabou destruindo a casa onde moravam e matando o personagem de Turíbio Ruiz. A equipe de produção da trama teve um trabalho delicado para simular a inundação. A gravação foi realizada em um sítio localizado em Guaratiba, Rio de Janeiro, e levou dois dias para ficar pronta. Já quando foi ao ar, a cena durou somente 20 segundos.

Bastidores e Curiosidades

Corpo a Corpo foi uma excelente novela, muito bem escrita por Gilberto Braga. Ismael Fernandes destacou isso em seu livro “Memória da Telenovela Brasileira”: “Mais um brilhante momento para Gilberto Braga, mágico em segurar o telespectador com suas fantasias. (…) Gilberto sabe como tecer com maestria os mistérios de uma boa novela sem nunca deixar cair o interesse por essa ou outra trama. (…) Tudo muito sedutor, deliciosamente novelístico.”

O suposto pacto de Eloá (Débora Duarte) com o Diabo foi o melhor da trama. A atriz vinha do sucesso de duas minisséries, Padre Cícero e Anarquistas, Graças a Deus, exibidas meses antes da estreia da novela. Destaque também para o próprio Diabo, personificado no ator Flávio Galvão. (Nilson Xavier, Site Teledramaturgia)

Joana Fomm se destacou no papel de vilã. Ela já havia feito uma antagonista em Dancin’ Days, também de Gilberto Braga. Na trama, ela interpretou a arrivista Lúcia Gouveia. A atriz lembra que a vilania da sua personagem era tão grande que os telespectadores chegaram a confundi-la na rua com a vilã que interpretava na novela.

Rafa (Lauro Corona), Guiomar (Eloísa Mafalda), Zoraide (Renata Fronzi) e Ângela (Andréa Beltrão) em cena da trama. Núcleos secundários também tiveram destaque no folhetim. (Foto: Reprodução/TV Globo)

No começo, Antônio Fagundes disse que não aceitou o convite para fazer parte do elenco pois possuía uma viagem marcada, onde iria passar um mês em Nova York, e não tinha como cancelar o acordo. Gilberto Braga, assim, sugeriu que ele gravasse, antes da viagem, todas as cenas onde seu personagem estivesse no primeiro mês da obra. O autor escreveu de antemão as cenas de Fagundes, que gravou todas as tomadas iniciais de Osmar, seu personagem, antes dos atores restantes da produção.

O ator Marcos Paulo, que fez o personagem Cláudio no folhetim, foi convidado a ser um dos diretores de Armação Ilimitada, onde a estreia ocorreu em maio de 1985. Ele chegou a se comprometer como projeto e a realizar algumas cenas, porém, abandonou o seriado para se concentrar exclusivamente à trama de Corpo a Corpo. Um dos motivos para o seu desligamento de ‘Armação’, foi o extenso deslocamento entre as gravações das duas obras – a novela era gravada no Jardim Botânico, Zona Sul do Rio de Janeiro, e o programa, na Tijuca, Zona Norte. Além disso, as gravações do seriado coincidiram com o período onde o personagem obteve grande destaque no folhetim, tomando muito mais tempo para a finalização das suas cenas.

No ano de 2009, Gilberto Braga contou em entrevista a André Bernardo e Cíntia Lopes, para o livro “A Seguir, Cenas do Próximo Capítulo”, a sua predileção pela novela. Porém, o autor não curtiu muito o título encontrado para o folhetim e a escalação de Débora Duarte para ser a heroína da obra: “Na minha opinião, Corpo a Corpo é minha melhor novela, mas não é tão lembrada. O título, aliás, é muito ruim. Débora Duarte é extraordinária, mas, convenhamos, não é o primeiro nome de uma novela.”

Eloísa Mafalda, a Dona Guiomar na trama, emendou duas novelas consecutivas, em uma prática já pouco comum nos anos 1980: depois de Corpo a Corpo, a atriz foi alocada para a produção substituta no horário, Roque Santeiro, onde interpretou a beata Pombinha Abelha.

O ator Stênio Garcia usou como referência a obra Fausto, de Goethe, para enriquecer o seu personagem, o perverso Amauri.

A produção foi também a primeira, de muitas parcerias, do novelista Gilberto Braga com o diretor geral Denis Carvalho.

Raul (Flávio Galvão) e Amauri (Stênio Garcia) em cena de Corpo a Corpo. Suposto pacto com o diabo foi considerado o melhor entrecho do enredo. (Foto: Reprodução/TV Globo)

Corpo a Corpo marcou a estreia de Lilia Cabral, Andréa Beltrão e Luiza Tomé na Globo.

A novela foi comercializada para diversos países, entre os quais estavam: Argentina, Bolívia, Bulgária, Canadá, Chile, Colômbia, Equador, Espanha, Honduras, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, Portugal, República Dominicana, Turquia, Uruguai e Venezuela.

Ações Socioeducativas

Gilberto Braga utilizou na trama de Corpo a Corpo o debate sobre racismo por meio da família de Antônio (Waldir Onofre) e Jurema (Ruth de Souza), negros de classe média. A filha do casal, Sônia (Zezé Motta), uma jovem arquiteta, se envolve amorosamente com Cláudio (Marcos Paulo), filho do rico empresário Alfredo Fraga Dantas (Hugo Carvana), e passa a sofre preconceito racial pela família dele. A relação entre o casal levantou polêmicas, inclusive entre a audiência do folhetim. Vítima do racismo da família Fraga Dantas, Sônia chega a terminar o relacionamento com Cláudio, mesmo gostando dele. Entretanto, o destino faz com que ela fique conectada para sempre com àquela família que a rejeitou quando Alfredo cai do cavalo e sofre fratura exposta na tíbia e, para sobreviver, o médico relata que seria preciso realizar uma transfusão de sangue urgente. A única pessoa que possuía o tipo sanguíneo adaptável com o de Alfredo, O negativo, era Sônia. Assim, ela salva a vida, com o seu sangue, do patriarca da família Fraga Dantas.

Prêmios

Por sua atuação em Corpo a Corpo como Eloá, Débora Duarte foi eleita pela APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) a melhor atriz de 1984 ao lado de Geórgia Gomide, Marieta Severo, Mírian Pires, Lucinha Lins e Nathalia Timberg que participaram de outras produções naquele ano.

Abertura

A abertura de Corpo a Corpo criada por Hans Donner e sua equipe, idealizava bem a ideia da produção. A vinheta mostrava uma sombra que se transformava em carro, tapete e livro, sempre em vermelho, onde em seguida passava uma bela dama. Ao final, ela vai em um encontro com outro homem quando a sombra misteriosa aparece de relance e os dois se beijam. Tudo ao som de “Tão Beata, Tão à Toa” de Marina Lima.

Trilha Sonora

A trilha sonora da novela possui grandes sucessos como “Um Grande Amor”, do Fagner;  “Corra e Olhe o Céu” de Beth Carvalho (tema de Sônia); “A Mulher Invisível” do Ritchie (tema de Zeca); “Para Lennon e Mcartney” de Elis Regina (tema de Cláudio); “Nada Mais”, versão brasileira de “Lately”, e interpretada por Gal Costa (tema de Tereza), além do próprio tema de abertura na voz de Marina Lima. Já a trilha internacional do enredo apresenta grandes canções como “Too Late For Goodbyes” de Julian Lennon (tema de Ângela); o mega hit da banda Scorpions “Still Loving You” (tema de Heloísa); A contagiante “What About Me?”, parceria de Kenny Rogers, Kim Carnes e James Ingram (tema de Bia e Rafael); “Missing You” da diva Diana Ross (tema de Lúcia e Amauri) e “Purple Rain” de Prince & The Revolution (tema de Zeca e Alice) entre outras.

Por que foi esquecida?

Apesar de ser considerada pelo próprio Gilberto Braga como sua melhor novela e ter conquistado o público e a crítica, Corpo a Corpo nunca foi reapresentada na sessão global Vale a Pena Ver de Novo durante às tardes. Alguns motivos para esse esquecimento foram levantados pelo jornalista Fábio Costa, autor do livro “Novela, Obra Aberta e Seus Problemas” e editor-chefe do Observatório da Televisão no Youtube. Segundo Fábio, a trama não é exatamente uma exceção, já que outras obras da década de 1980 foram preteridas para reprises através da sessão vespertina: “Raramente a TV Globo apresentou no Vale a Pena Ver de Novo, até os anos 2000, novelas que tivessem mais do que quatro ou cinco anos. Boa parte das novelas reprisadas nesse período na sessão teve disso pra baixo, na distância temporal da exibição original para o ‘repeteco’. Em 10 anos, de 1980 a 1990, somente duas novelas das 20h, como ‘Corpo a Corpo’, foram reprisadas na sessão: “Àgua Viva” (1980) e “Roda de Fogo” (1986).

Raul (Flávio Galvão) e Eloá (Débora Duarte) nos bastidores de Corpo a Corpo. Novela de Gilberto Braga nunca foi reapresentada na sessão vespertina Vale a Pena Ver de Novo. (Foto: Reprodução/TV Globo)

Ainda, de acordo com Fábio, ‘Corpo a Corpo’, obra da qual seu autor Gilberto Braga gostava muito, talvez tenha sido encarada como “pesada”, “séria” ou “complexa” demais para a faixa vespertina, consagrada pela exibição de conteúdos mais digestivos, como as novelas das 18h e das 19h, de faixa livre já na origem. “Quando quem sabe tivesse chance, estava “velha” e fora de um mínimo padrão da sessão. Em 2000 sua liberação foi solicitada ao Ministério da Justiça, mas optaram pela exibição de ‘A Próxima Vítima’ e ‘Roque Santeiro’ na época. ‘Roque Santeiro’, aliás, foi um sucesso tão grande e renovador naquele momento histórico que pode ter ofuscado a trama, que foi ficando para trás”, conclui.

Fontes: Sites Memória Globo, Teledramaturgia e Wikipédia.

Agradecimento: Fábio Costa (@andolendo)

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