Grandes Clássicos: O Primo Basílio (1988)

A minissérie O Primo Basílio começava há 33 anos pela Rede Globo como mais uma produção bem sucedida da emissora. Exibida entre 9 de agosto e 2 de setembro de 1988, em 16 capítulos, a trama escrita por Gilberto Braga e Leonor Bassères, baseada a obra de Eça de Queiroz e dirigida por Daniel Filho, conquistou a maioria do público e da crítica de televisão naquele ano e foi um dos grandes destaques de 1988. Por isso, vale relembrar a sinopse, produção, bastidores e curiosidades desta história de amores, traições e culpa e entender por qual motivo ela pode ser considerada um dos grandes clássicos da nossa literatura e teledramaturgia.

Marília Pêra como a pérfida Juliana na minissérie “O Primo Basílio”, baseada na obra de Eça de Queiroz. (Foto/Reprodução/TV Globo)

Sinopse

A trama da minissérie acontece na Lisboa do século 19. O jovem Basílio (Marcos Paulo) acaba de chegar da Inglaterra e possui pensamentos somente para Luísa (Giulia Gam), a sua bela e amável prima. Os dois são apaixonados desde a infância, e quando ele retorna, essa paixão reacende e se torna incontrolável. Basílio, então, é obrigado a viajar para o Brasil a negócios mas, antes de partir, promete se casar com Luísa quando retornar a Portugal. Durante aqueles meses naquele país afastado, Basílio escreve para Luísa com alguma frequência, mas com o passar do tempo, não envia mais notícia alguma, e só acaba por escrever para acabar tudo entre os dois, pois não queria fazê-la sofrer pela sua falta, e que ela estaria livre para que pudesse ser feliz, pois ele demoraria a retornar.

Desolada e depois de uma intensa depressão, os anos se passam e Luísa retoma a sua vida social. Nesse meio tempo ela conhece Jorge (Tony Ramos), um jovem engenheiro, com quem se casa e vive uma aparente felicidade até a morte de uma velha tia dele. Além de uma pequena fortuna, Jorge ganha uma empregada de herança, a cruel, amargurada e muito invejosa Juliana (Marília Pêra). Mas quando Luísa perde as esperanças de reencontrar seu verdadeiro amor, o primo Basílio retorna para abalar a felicidade do casal. O sedutor Basílio, que novamente domina Luísa de paixão, a deixa dessa vez, descontrolada e sem medir as consequências para viver esse amor. O adultério ocorre numa viagem de Jorge, e o casal de primos passam a manter encontros em um lugar reservado num distrito pobre de Lisboa. Agindo por impulso e paixão, Luísa se sente mal pela traição, mas não consegue resistir. O caso, então, é descoberto por Juliana através de inúmeras cartas que Basílio escrevia para Luísa, com promessas de amor eterno e lembranças dos encontros dos dois. Com essas informações preciosas em mãos, Juliana passa então a chantagear a patroa cultivando um clima de terror, onde passa a torturar Luísa com acusações.

O infortúnio de Luísa aumenta quando ela se sente usada pelo amante e descobre que ama de verdade Jorge, seu marido, depois do seu retorno ao lar. Luísa sente que poderá perdê-lo por conta das ameaças de Juliana que lhe chantageia ao pedir 600 mil réis em troca do seu silêncio. Contudo, Luísa não possui uma quantia tão alta e, por conta disso, passar a servir Juliana. Assim, a criada vira patroa e vice-versa. Por outro lado, Jorge não compreende aquela situação e Luísa precisa mentir, dizendo que Juliana está enferma e não aguenta mais os serviços de casa. Enquanto isso, ela sofre ao ter que esconder a traição do marido e por Basílio nunca mais tê-la procurado, confirmando que ele apenas a usou. A vida da moça passa a ser baseada em mentiras, ameaças e chantagens.

Produção

Algumas cenas da minissérie foram gravadas em Sintra, em Portugal. Os jardins do Palácio Guanabara e o Clube Naval, no Rio de Janeiro, também foram utilizados como locação.

Uma rigorosa e detalhada pesquisa antecedeu a produção dos figurinos do elenco central, da responsabilidade de Beth Filipecki. Para a jovem Luísa (Giulia Gam), foram determinadas trajes em tons alegres e tecidos leves, vaporosos, enquanto a maquiavélica empregada Juliana (Marília Pêra) usava vestimentas com cores escuras, destacando a contradição entre as duas personagens. Com o decorrer da trama, após descobrir sua traição, Juliana se torna serviçal de Luísa e a empregada começa a usar as roupas claras da patroa. Para criar os trajes dos demais personagens, a figurinista trabalhou a partir de obras de artistas plásticos como Monet.

Os atores fizeram um trabalho de corpo especial para auxiliar na composição de seus personagens, onde foram aconselhados por Nelly Laport. Ainda, Glorinha Beutenmüller foi contratada para preparar a voz do elenco, principalmente para tirar os vícios de sotaques sem que eles perdessem a naturalidade ao falar como cidadãos do século 19. Nesse sentido, não existia qualquer preocupação de que os atores falassem com sotaque português, pois ecoaria artificial. A instrução era reproduzir o uso de um linguajar particular da época retratada, para que o público pudesse fazer essa diferenciação de tempo. Expressões como “Por ele espartilhei-me” (fiquei bonita, elegante) e “Tudo muito catita” (tudo muito bonitinha), entre outras, estavam presentes no texto produzido.

Foi efetuada uma reconstituição caprichada e profundamente fiel da Lisboa do final do século dezenove. Em um trabalho apurado, o cenógrafo Mário Monteiro pesquisou minuciosamente as ruas da capital portuguesa e, acima de tudo, seguiu as exposições de Eça de Queiroz, primordiais para a efetivação da obra. A equipe da minissérie também visitou Lisboa e procurou reproduzir a aura da cidade.

A direção de fotografia da minissérie ficou por conta de Edgar Moura, conhecido por sua vasta experiência em cinema, utilizado em boa parte para ajudar na composição dos ambientes. Já a produção de arte ficou por conta de Cristina Medicis.

A produtora, entre outras particularidades, realizou uma rigorosa pesquisa em antiquários, no Real Gabinete Português e Instituto Histórico-Geográfico, no Rio de Janeiro; no Museu Imperial de Petrópolis (RJ); e em vários livros de Eça de Queiroz que relatavam sobre a sua vivência. Para isso, foi necessário refazer alguns objetos dos períodos relatados pelo autor, como uma fechadura, peça significativa na trama. Cristina também se aplicou ao estudo da culinária portuguesa, para ofertar com exatidão as refeições descritas por Eça de Queiroz. 

Os atores realizaram curso de balé para postura e exercícios de voz durante um mês para perder sotaque e adquirir um acento uniforme. Louise Cardoso fez um curso de culinária para desempenhar seu papel, a cozinheira Joana. Marcos Paulo, Pedro Paulo Rangel e Giulia Gam tiveram aulas de piano. (“O Circo Eletrônico”, Daniel Filho)

Já para produzir e filmar as cenas em que Luísa e Basílio passeavam de barco em um lago, a equipe construiu uma estrutura de trilhos, alocada sob a água do lago, a qual o barco e a câmera deslizavam ao mesmo tempo.

Curiosidades e Bastidores

O romance O Primo Basílio foi publicado em 1878, quando Eça de Queiroz exercia um ofício como diplomata em New Castle, na Inglaterra. A relação de traição entre Luísa e o primo escandalizou a sociedade de Lisboa, conservadora à época.

A minissérie recebeu críticas e elogios dos portugueses. Alguns intelectuais consideraram que a adaptação do romance de Eça de Queiroz não foi bem executada. Já a Federação das Associações Portuguesas e Luso-Brasileiras afirmou que o programa foi primordial para a divulgação da cultura portuguesa e da literatura de Eça de Queiroz.

Sobre este trabalho, Gilberto Braga relatou ao livro “Autores, Histórias da Teledramaturgia”, do Projeto Memória Globo: “Tentei me colocar na posição do Eça de Queiroz e ver como ele escreveria para a TV Globo se estivesse vivo. Procurei apagar meu temperamento de escritor para usar o dele, com o qual tenho muita afinidade, senão não conseguiria fazer. Gostei muito do resultado da minissérie.”

As actrizes brasileiras Marília Pera e Giulia Gam na mini-série "Primo  Basílio" (1988) | Primo basilio, Giulia gam, Mini série
Juliana (Marília Pêra) e Luísa (Giuliam Gam) em cena de “O Primo Basílio”. Locação em Lisboa foi um dos diferenciais da minissérie dirigida por Daniel Filho. (Foto: CEDOC/TV Globo)

Destaque para Marília Pêra, perfeita como a malvada empregada Juliana. Também houveram grandes interpretações de Giulia Gam (Luísa) e Tony Ramos (Jorge), patrões de Juliana.

Marília Pêra recorda que demorou a aceitar o convite do diretor Daniel Filho para dar vida a Juliana. A atriz não queria interpretar uma mulher tão infeliz e amargurada, fisicamente feia e maltratada. Um dos recursos utilizados pelo diretor para que ela aceitasse a oferta, foi que a personagem era uma das favoritas do cineasta espanhol Luis Buñuel. Após bastante insistência de Daniel Filho, Marília Pêra terminou aceitando o papel. A atriz conta que o processo foi muito problemático, pois Juliana era uma personagem que possuía uma forte carga negativa. Porém, mesmo com ressalvas, a atriz curtiu bastante o resultado final do trabalho.

Daniel Filho também explicou no livro “O Circo Eletrônico” o método de trabalho que respaldou em O Primo Basílio: “Cheguei a fazer uma leitura para afinar a equipe. Como tinha 16 capítulos, li um por um com toda a equipe, o que demorou quatro ou cinco dias. Foi um trabalho meio maçante, porque foi muito longo. Mas todas as outras produções, de uma forma ou de outra, passaram a ter esse tipo de acabamento; os jovens diretores foram entrando com esse tipo de exigência. Mas não esqueçamos que Basílio não era uma obra industrial como uma novela.”

Causou abalo no público a cena onde Jorge (Tony Ramos), sem suspeitar da infidelidade de sua esposa, abre uma das cartas enviadas a ela por Basílio (Marcos Paulo). Ao ler o que tinha escrito dentro do envelope, ele olha abismado para o quarto de Luísa. Como ela está enferma, Jorge descarrega sua ira esmurrando a escrivaninha, lesionando a mão pelo ato. Tony Ramos destaca esta cena como a sua favorita da minissérie pelas imagens indicativas do desespero de seu personagem diante da traição da mulher. Outra cena que marcou a minissérie e uma das mais comoventes da obra, é quando as mechas loiras de Luísa são cortadas para ajudá-la no tratamento médico. A ação a deixa careca.

Enquanto era exibida a minissérie O Primo Basílio, Tony Ramos pôde ser visto na novela das sete, Bebê a Bordo, em um personagem completamente oposto: o cômico Tonico Ladeira. O mesmo aconteceu com os atores José de Abreu, Guilherme Leme e Paulo Guarnieri, que também estavam em Bebê a Bordo. Também esteve no ar ao mesmo tempo em dois trabalhos diferentes o próprio autor da minissérie. Enquanto O Primo Basílio esteve no ar, era exibida outro folhetim de Gilberto Braga: a novela das oito, Vale Tudo.

O Primo Basílio foi lançada em DVD no ano de 2007. A minissérie foi vendida para cerca de 20 países, entre eles Bolívia, Chile, Espanha, Estados Unidos, Grécia, Macau e Portugal. 

Abertura

A abertura da minissérie é relativamente simples. Ao som da trilha instrumental, fotografias dos personagens da obra se entrelaçam com paisagens de época e imagens de Lisboa, local onde a minissérie é produzida.

Prêmios

O Primo Basílio venceu o grande prêmio da crítica da APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte). Ainda, Daniel Filho foi condecorado como melhor diretor de televisão em 1988, e Louise Cardoso, a melhor atriz coadjuvante.

Audiência

Daniel Filho, em seu livro “O Circo Eletrônico”, falou sobre a audiência de O Primo Basílio“[A minissérie] não atingiu uma grande audiência, apesar de ter sido muito considerada pela crítica. É um sucesso pelo tempo que permanece na memória das pessoas.”

Trilha Sonora

A trilha sonora de O Primo Basílio teve a produção musical de Sérgio Carvalho e direção musical de Márcio Antonucci. Entre as canções que embalaram a minissérie estavam: “Dueto de Amor” (tema de Basílio e Luísa), “Carta Adorada” (tema de Juliana) e “Fado da Leopoldina”, entre outras. Roger Henri foi o autor da trilha incidental, arranjos e regências da obra.

Jorge (Tony Ramos) e Luísa (Giulia Gam) em “O Primo Basílio”. Minissérie baseada na obra de Eça de Queiroz e adaptada por Gilberto Braga completa 33 anos. (Foto: Divulgação/TV Globo)

Reprises

A minissérie foi reprisada no Faixa Comentada do Futura (canal de TV por assinatura pertencente à Rede Globo). Também foi reapresentada no canal Viva (TV por assinatura da Globo), entre 28 de outubro e 18 de novembro de 2013, às 23h15.

Fonte: Sites Memória Globo e Teledramaturgia.

Deixe um comentário